Se fosse para resumir 2009 para o setor de carnes, duas palavras diriam bastante: mercado doméstico e consolidação. No ano em que a crise financeira internacional fez secar a demanda de países importadores e precipitou fusões e aquisições no setor, o consumo de carnes pelos brasileiros cresceu. Renda maior e preços mais acessíveis ajudaram, mas o maior consumo também refletiu o cenário adverso lá fora. Com exportações menores - em parte por conta do câmbio valorizado - , a disponibilidade de carnes (bovina, de frango e suína) aumentou no mercado doméstico. E os brasileiros consumiram mais.
A expectativa é que devem continuar a fazê-lo em 2010. Num ano de eleições e Copa do Mundo, indústrias e analistas acreditam que o consumo doméstico seguirá aquecido. Já para as exportações, a esperança é de recuperação das vendas ainda que os sinais de melhora do mercado internacional sejam incipientes. De fato, não há euforia, mas ninguém quer acreditar numa repetição de 2009, quando as carnes produzidas no Brasil perderam preço e espaço no mercado internacional.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Roberto Giannetti da Fonseca, acredita que 2010 será um período de recuperação, depois da queda de 25% das receitas, para US$ 3,740 bilhões e de 12% nos volumes este ano, para 1,139 milhão de toneladas. Ele defende medidas para evitar a apreciação do real, o que tira a competitividade da carne brasileira. "Os clientes devem retomar as compras, mas lentamente", afirma. Para Giannetti, haverá aumento dos volumes, com preços um pouco melhores do que os vistos este ano.
Na carne bovina, tanto quanto a crise financeira global, que reduziu o crédito nos países importadores, também pesaram as restrições da União Europeia (UE). Boa parte do que se deixou de exportar foi em razão das exigências da UE, que desde o começo de 2008 só aceita carne resultado do abate de bovino rastreado de fazenda certificada.
O Brasil quer que a UE flexibilize as exigências, mas, por enquanto, o bloco não parece disposto a fazer mudanças. Ainda assim, Giannetti acredita em flexibilização, o que ajudaria na recuperação dos preços no mercado europeu. "Eles vão precisar da carne brasileira", avalia.
O executivo também vê perspectivas positivas das exportações para China e Chile - este último, um mercado que esteve fechado durante dois anos, mas que deve retomar o posto de grande cliente do Brasil. Já a Rússia, um dos países mais afetados pela crise global e importante mercado para a carne brasileira, deve continuar dando dor de cabeça, admite o dirigente.
A verdade é que as exportações ainda geram dúvidas, mas para o mercado interno o cenário parece melhor definido. O consumo per capita de carne bovina, que este ano ficou entre 33 e 34 quilos - bem acima dos 30 quilos de 2008 - deve continuar firme, segundo José Vicente Ferraz, da AgraFNP, autor das estimativas.
"As exportações [de 2010] devem ser parecidas com as deste ano, mas o consumo interno deve ter força pois há previsão de crescimento econômico", diz.
O cenário previsto para o frango não é muito diferente. "Não vejo modificações [para 2010]. No México, dizem que a crise dura dois anos, na Rússia que está apenas começando", comenta Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Frango (Abef). A Rússia é um mercado importante para o frango brasileiro e o México ainda precisa ser conquistado.
Ele não descarta uma redução nos ritmos de produção e exportação na avicultura "se continuar assim", ou seja, um cenário de real valorizado e demanda internacional hesitante. Até novembro, as vendas externas de frango do Brasil somaram 3,320 milhões de toneladas, 1,74% a menos do que no mesmo intervalo de 2008. Mas o tombo na receita foi muito maior, de 19,6% para US$ 5,272 bilhões.
Os exportadores conseguiram este ano chegar a mercados novos, como África do Sul, Iraque, China e Chile, e a tarefa para 2010 é buscar outros dez, segundo Turra. Entre eles estão a Índia, com a qual o Brasil já tem acordo sanitário, mas que impõe um tarifa de 100% nas importações. Há ainda Indonésia, Paquistão, Malásia e Nigéria.
Turra também acredita num mercado interno aquecido no ano que vem. Neste ano, o consumo per capita já aumentou, segundo estimativas da Apinco - Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte.
Os números de produção e exportação disponíveis na avicultura mostram uma pequena redução, entre 2008 e 2009 (de 39,7 quilos para 38,4 quilos per capita), mas José Carlos Godoy, secretário-executivo da associação observa que cerca de 200 mil toneladas de frango de estoques de 2008 acabaram sendo "transferidos" para este ano. A razão para a formação dos estoques foi a grande produção de frango no Brasil e a crise, que derrubou as exportações. Assim, o consumo doméstico deve ter superado o do ano passado.
Consumo doméstico também foi o que salvou a carne suína este ano. "Em anos de crise no mercado externo, o mercado interno é alternativa", afirma Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs). As exportações até novembro somaram 564,7 mil toneladas, alta de 13,3% sobre o mesmo intervalo de 2008. Mas como a produção cresceu e houve estoques remanescentes de 2008, a disponibilidade interna aumentou e o consumo per capita deve fechar em 13,8 quilos, 400 gramas a mais que no ano passado.
Camargo Neto crê que o mercado interno deve continuar firme, mas não espera grandes mudanças no front externo, a não ser uma pequena melhora nas cotas para a Rússia. Há também perspectivas de abertura dos mercados das Filipinas, Vietnã e União Europeia.
Governor Tim Pawlenty meets with Roberto Giannetti da Fonseca, General Director of FIESP, and members of the FIESP Executive Management Team in Sao Paulo, Brazil. FIESP is the largest business association in Brazil representing the interests of more than 150,000 businesses. The meeting was an opportunity to learn about the business environment and opportunities in Sao Paulo State and to explore how FIESP can assist Minnesota companies looking for business partners -- December 7, 2009 |
O Estado de S. Paulo
With an eye on the good activity of the domestic market, driven by the increases in income, employment and credit, the industries have decided to redirect the focus of their businesses onto the local customers. With that, they bypass the problem created by the expensive Real that hinders exports and the external demand that is still under the effects of the international financial crisis. "Several industries are redirecting their production that used to be exported to the domestic market, when such is possible", says the Director of Foreign Trade the Federation of Industries of the State of São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca.
Aircrafts manufacturer Embraer will more than double the participation of the domestic sales in its earnings this year. In 2008, the domestic market was responsible for 4% of its earnings of US$ 6.3 billion. This year, the slice of the domestic sales will be nearly 10% of projected earnings of US$ 5.5 billion.
"The sale to the domestic market of US$ 530 million is the biggest nominal figure of the history of the company", says the Financial, Executive Vice President and Investor Relations Officer Luiz Carlos Aguiar. The officer stresses that 90% of sales are bound overseas, but the sales of aircrafts for two new clients, Azul and Trip airlines, have been a bolster shot to the company.
Azul ordered 36 aircrafts, with delivery until 2013. Trip purchased five aircrafts. "The domestic sales still do not make up for the losses in the foreign market, but the setting of the international air transportation should only react in 2011".
Another piece of data that shows the significance of the domestic market in the performance of industry is the Exportation Coefficient, an indicator created by the Fiesp. The index measures the participation of the external sales in the industrial production. Until September, exports were responsible for 21.6% of the production of the industry in value. It was the third consecutive fall. In 2006, the slice of the exports in the industrial production amounted to 23.7%. In 2007, it fell to 23.5%, and in 2008, to 22.1%. "The trend for 2010 is that this indicator should remain below 20%", foresees Giannetti da Fonseca.
A “bolha” de interesse pelo Brasil, apontada pelo economista prêmio Nobel Paul Krugman, promete permanecer inflada por muito tempo. A expectativa de continuidade no crescimento econômico traz previsões de investimentos estrangeiros em torno de US$ 35 bilhões no ano que vem, a exploração do petróleo das camadas pré-sal promete atrair ainda mais recursos do exterior. Tudo isso garante aos exportadores a desagradável certeza de que a tendência do dólar é seguir desvalorizado. Por isso, já se discutem no setor privado alternativas à desvalorização do real, para evitar o progressivo colapso das vendas ao exterior.
Os empresários, apesar das previsões, ainda não abandonaram a discussão sobre a necessidade de valorização do dólar. A Fiesp, segundo seu diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Roberto Gianetti, apresentou ao governo e fará campanha por uma coleção de medidas destinadas a segurar a enchente de moeda estrangeira que ameaça afogar o mercado brasileiro.
“Não voltaremos ao patamar anterior, mas dá para chegar ao dólar a R$ 2,10″, acredita. É um esforço heroico, mas é disseminada entre os especialistas a certeza de que a sobrevivência das exportações brasileiras não pode se fiar na esperança de melhora no câmbio e depende do aumento da competitividade do país. Há medidas importantes para isso, presas na mão do governo. Uma delas é a devolução dos impostos cobrados indevidamente na exportação, dinheiro que daria fôlego aos empresários para se manter à tona em um mercado tormentoso.
É velho dito no comércio exterior brasileiro a reclamação contra a exportação de impostos. Imposto, por definição, não se cobra das exportações. Há países que, pelo contrário, pagam um “reintegro” para compensar exportadores pelos tributos colhidos em sua cadeia de produção. Tributam-se, no máximo, os lucros dos exportadores, que, se forem obrigados a repassar aos consumidores lá fora toda mordida fiscal dos governos locais, passarão a competir em desvantagem. Essa discussão voltou às conversas entre setor privado e governo, no Comitê de Aceleração do Crescimento (novo batismo do Comitê de Acompanhamento da Crise, criado no ano passado).
Pelos cálculos da Fiesp, podem chegar a R$ 20 bilhões os tributos cobrados indevidamente dos exportadores, como PIS e Cofins, e não devolvidos. Nos Estados, a gula do fisco já acumula em torno de R$ 40 bilhões cobrados indevidamente, sem devolução. O cálculo é endossado pela secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior, Lytha Espíndola, mas é assunto tabu no Ministério da Fazenda, onde as autoridades, em conversas informais, alegam que as preocupações com a queda de arrecadação não abrem espaço para qualquer medida que toque em impostos.
O governo federal não está sozinho na sabotagem tributária às exportações. A discussão sobre os problemas fiscais brasilieiros falha ao concentrar-se nas mazelas da administração dos cofres federais. Em seminário recente da Fiesp, Gianetti pode mostrar que, nos cinco anos entre 2003 e o ano passado, as exportações cresceram apenas 41%, enquanto a arrecadação do IPI e do PIS/Cofins cresceu 95.4%. Nesse mesmo período, a arrecadação do ICMS, estadual, aumentou 84,1%. O vigor do mercado interno responde por parte desse descompasso, claro, mas ele mostra também que o crescimento da produção tributável excede o crescimento das exportações, indício da fome irracional de impostos sobre as vendas ao exterior.
Enquanto isso, competidores do Brasil no cada vez mais agressivo mercado externo azeitam mecanismos ágeis de compensação de impostos. A China devolve a seus produtores 17% dos impostos cobrados na produção, a Índia, 16%, e a vizinha Argentina, 6%, segundo dados da Organização Mundial do Comércio. Por isso, pesquisa da Fiesp com empresas, associações e sindicatos empresariais constatou que 28% consideram problema grave a acumulação de créditos tributários na esfera federal e 29% classificam o problema como “muito grave”.
No caso do ICMS, é problema grave para 20% e “muito grave” para 44%. O ICMS concentra o acúmulo de créditos não pagos para 53% das empresas. Na maioria (57%), são créditos de pequeno valor, abaixo de R$ 1 milhão, mas os tributos são um peso considerável, entre 10% a 20% para 26% das empresas e entre 20% e 40% para 36% das firmas. Ao apontarem os custos tributários que mais dificultam um preço de exportação mais competitivo (podendo apontar mais de um tributo), 57% das empresas citaram os encargos trabalhistas, 46%, o ICMS e 33% o PIS/Cofins.
O tema foi levado à Comissão de Aceleração do Crescimento pela Confederação Nacional da Indústria, que preparou um estudo sobre o peso dos impostos na exportação e sugere um leque de medidas para eliminar a tributação sobre as vendas externa. “Não é benesse, não é subsídio: a desoneração fiscal das exportações é prevista na Constituição”, defende o gerente-executivo de Políticas Econômicas da CNI, Flávio Castelo Branco, que coordena o estudo sobre as medidas necessárias para evitar o indevido peso dos tributos sobre as exportações. A CNI sugere mudanças nas normas da Receita para permitir a informatização dos registros de crédito tributário e sua compensação imediata, com a possibilidade de transferência a terceiros dos valores cobrados indevidamente na exportação.
A discussão sobre tributos excessivos – um debate curioso, por acontecer enquanto os competidores do Brasil são criticados por dar estímulos fiscais às vendas externas de sua indústria – é apenas um ponto da necessária agenda de competitividade do Brasil. Ainda que a ação contra a excessiva valorização do real seja uma necessidade indiscutível, como ressalta Roberto Gianetti, o sequestro do potencial exportador brasileiro por cofres federais e estaduais sedentos de caixa é uma anomalia, a ser banida do cenário econômico, em qualquer discussão racional sobre o futuro do Brasil, com ou sem “bolha” financeira internacional.
Atentas para a boa maré do mercado doméstico, impulsionado pelo aumento da renda, do emprego e do crédito, as indústrias decidiram redirecionar o foco dos negócios para os clientes locais. Com isso, escapam do real valorizado que atrapalha as exportações e da demanda externa ainda ressentida da crise financeira internacional.
"Várias indústrias estão redirecionando a produção antes exportada para o mercado doméstico, quando é possível", diz o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca.Apesar de país ter se consolidado como maior destino de produtos brasileiros, há problemas em negociações comerciais e diplomáticas
Empresários cobram do governo maior prioridade nas negociações com o país; representação na China é menor que a de outras nações
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
A China se firmou entre janeiro e outubro como o maior destino de exportações brasileiras, em US$ 17,7 bilhões, deixando bem para trás parceiros comerciais mais tradicionais, como os Estados Unidos (US$ 12,8 bilhões) e a Argentina (US$ 9,5 bilhões).
Para vários empresários e diplomatas ouvidos pela Folha, o boom exportador esconde uma negociação comercial e diplomática que se arrasta.
Mais de 90% das exportações brasileiras para a China são matérias-primas: soja, ferro e derivados. Desde 2004, negocia-se, sem sucesso, a exportação de carne bovina e suína brasileira para a China; uma venda de 40 aviões da Embraer para os asiáticos também está congelada, assim como de outros setores de manufaturas.
No início deste mês, foi cancelada uma missão de representantes de 60 grandes empresas chinesas e 12 ministros por falta de agenda. Segundo vários diplomatas, uma semana antes da missão ainda não se sabia quem receberia os chineses em Brasília, pela indisponibilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice, José de Alencar.
A Comissão Sino-Brasileira de Cooperação, criada em 2004 por Lula e pelo seu colega Hu Jintao, só se reuniu duas vezes nos últimos cinco anos. O próximo encontro só acontece no ano que vem.
"Não dá para não priorizar a China, a economia que mais cresce entre as grandes, o Brasil precisa desse mercado", diz Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Abiec (Associação Brasileira dos Exportadores de Carne).
"Os Brics [grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia e China] não são prioridade do Itamaraty? A China precisa ser prioridade de ministros e do presidente da Republica", diz Pedro Camargo Neto, da associação de exportadores de suínos.
Os Estados Unidos exportaram US$ 560 milhões de carne suína no ano passado para a China, ou cerca de 300 mil toneladas. O Brasil exporta para todo o mundo cerca de 600 mil toneladas ao ano, o que mostra o tamanho do mercado chinês.
Representação pequena
Na embaixada americana em Pequim, há 23 diplomatas e técnicos cuidando do setor agrícola. Na embaixada brasileira, não existe adido agrícola, apesar de o tema ser discutido há sete anos.
A Argentina tem um adido agrícola com três intérpretes chinês/espanhol (mais que todos os intérpretes chinês/português de toda embaixada brasileira).
O Brasil vem tentando reforçar a sua presença na China nos últimos anos. Vários ministros têm visitado o país, e a Apex, agência de promoção comercial do Ministério do Desenvolvimento, abriu um escritório em Pequim.
Mas ainda é pouco, comparado a vários países. O Brasil ensaia a abertura de um consulado em Guangzhou, a antiga Cantão, há cinco anos. Terceira maior cidade da China, é sede da maior feira comercial do mundo e já abriga consulados-gerais de 33 países. O México já tem o seu, e a Argentina deve abrir um nos próximos meses.
A embaixada brasileira tem dez diplomatas -a da Austrália tem 50, a do Reino Unido, 160, e a dos Estados Unidos, 220. As embaixadas brasileiras em Roma e Paris têm mais diplomatas que em Pequim, que ainda é considerada "posto C", a terceira categoria em importância, no ranking do Itamaraty.
"Precisamos saber negociar. Há práticas desleais como a manipulação da moeda, que se desvalorizou em 25% diante do real no último ano, além de práticas trabalhistas e ambientais que lhes dão vantagens", diz Giannetti, da Abiec.
"Os chineses não são nada fáceis, mas diplomata precisa aprender a engolir sapo chinês, pois é o nosso principal destino de exportações", afirma Camargo.
Apenas 39 empresas brasileiras estão instaladas na China, em sua maioria, com pequenos escritórios de representação.